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                    A CAMINHO DA BAHIA  
                  09 - 28-07-1988 
                    
                  O  Brasil é uma imensidão, é uma extensão sem fim. 
                    É percorrendo as estradas dos diversos  brasis que a gente percebe a sua grandeza e a sua fraqueza, a sua enormidade. 
                    Os caminhos são vários e as distâncias tamanhas! 
                    De Brasília partem todos os caminhos, demandando todos os horizontes possíveis.  Algumas rotas levam ao mar, outras às mesmices dos cerrados e das florestas. 
                    Saí pelos destinos infindáveis que levam ao Nordeste, cruzando Goiás, Minas  Gerais e Bahia. Tanto chão! 
                    Fui pelos caminhos andados e já são outros caminhos, mudados pela estação de  estio no cerrado e no sertão, pelos ventos e chuvas do litoral. Do seco ao  úmido, dos desertos aos aglomerados urbanos. 
   
                    Até Belo Horizonte são espaços imensos, rarefeitos e quase monótonos, onde  surgem cidades prósperas mas tão distantes: Cristalina (GO) com suas  gemas e pedras; Paracatú (MG) com suas igrejas velhas e as primeiras  projeções residenciais verticalizando-se cada vez mais; João Pinheiro (MG) expandindo-se por suas colinas suaves; Três Marias (MG) debruçada  sobre as águas imensas de sua represa  
                     
                     
                  
                    
                      
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                  Foto: https://www.google.com/search?q=sete+lagoas  
                    
                  e a  prosperidade de Sete Lagoas (MG) onde havia aquele grupo de rock  telúrico cantando o “Cio da Terra” do trovador mor das minas gerais e de todos  os brasis que é Milton Nascimento. 
                    A geografia vai sendo revista pela janela do carro, célere, em transmutações  progressivas, quase imperceptíveis.  
                    Da terra vermelha ao cerrado chega-se à roxidão ferrífera das serras  belo-horizontinas e, na direção da Bahia, passa-se pelas curvas insondáveis e  verdes do planalto,  continua-se pelas  retas devassadas dos sertões xerófitos e chega-se à brancura arenosa das dunas  e praias do recôncavo. 
   
  À la recherche du temp perdue, em busca de um segmento da memória, pelas  trilhas de redescobrimento. 
                    Foi pela Rio-Bahia que eu saí, em 1962, ainda rapazola, com um caderno de  versos debaixo do braço, para ver a imagem mutante do Brasil.  
                    A estrada,  àquela época, ainda estava  sendo preparada, eram grandes os canteiros de obras e imensos os atoleiros e os  desvios.  Agora, porém, o asfalto está  sendo recomposto mas é possível chegar, com conforto, às cidades que margeiam a  grande trajetória até Belô e                    Salvador. 
  Caeté e Barão de Cocais, hoje com um crescimento desordenado em  suas encostas, ainda mostra a beleza tranquila e vetusta de suas igrejas  coloniais.  
  João Monlevade, Timóteo, Coronel Fabriciano e Ipatinga revelam a grandiosidade quase feia de suas metalúrgicas, de suas usinas  siderúrgicas, o leito ferruginoso de seus rios plenos de curvas, a fuligem  industrial de suas residências operárias e a opulência de suas construções  modernas. De lá partem comboios de vagões quilométricos transportando minério  de ferra para os grandes portos, para as indústrias do litoral, para o Espírito  Santo. Minas e Espírito Santo parecem estados gêmeos, xipófagos.  
   
                    As pessoas ainda conservam aquele semblante introspectivo dos montanheses,  aquele sotaque silabeado, aquela simpatia reticente, própria dos mineiros. As  faces compridas, ibéricas e uns tantos negros empobrecidos. 
                    Minas não parece ser a terra da mestiçagem; ainda se percebe um certo tom  nostálgico de linhagem perdida no estilo colonial de suas novas casas-grandes  das fazendas, um ar altaneiro e algo aristocrático do fazendeiro que abandona o  cavalo e dirige um automóvel. Um tom discreto, um tanto sorrateiro, mas  hospitaleiro.  
  Governador Valadares, a jovem e moderna cidade da região do Rio Doce,  continua sendo uma zona de transição entre as Minas Gerais tradicionais e a  Minas Gerais de feição nordestina.  
                    As ruas de Governador Valadares são amplas, bem arborizadas, surgidas da  prancheta  de um urbanista.  
  Teófilo Otoni, ao contrário, é muito mais espontânea, improvisada,  acanhada, apesar da reurbanização imposta por sua expansão e prosperidade. 
                    Na região, além de gado, impera a mineração de pedras preciosas. Teófilo  Otoni, é famosa por suas esmeraldas, por suas turmalinas, por suas gemas  variadas. 
   
                    A partir dali o caminho é cada mais deserto e pobre, mais seco e desabitado,  belo e inóspito! São imensidades inescrutáveis, são vastidões insondáveis que  margeiam a estrada de asfalto.  Raros os  caminhos, poucos os vilarejos, verdadeiros oásis no percurso, com riachos quase  secos, formações rochosas salientes onde a caatinga impera, com suas plantas  xerófitas, com seus mandacarus e xique-xiques. Só o tio Jequitinhonha,  barrento, parece dar esperança de vida àquela terra seca na estação do inverno. 
                    Já na Bahia, a partir de Vitória da Conquista — com seus primeiros  edifícios residenciais — começam as grandes retas, os percursos imensos em que  as margens, celeremente, vão dando a impressão de uma imensa metamorfose. Até  mesmo o sertão de Jequié parecia verde e fértil, à medida que que se  aproximava da costa, com a aragem mais próxima dos vestígios de mata atlântica.  
  Jequié guarda pouco daquela cidade flagelada que eu conheci em 1962, na  época do Prefeito Lomanto Júnior. Continua pobre mas dá sinais de progresso, se  parede às demais cidades do sul, guardadas as proporções.  
                    
                  
                    
                      
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                  Foto: https://aprece.org.br/municipio/milagres/ 
                   
                    Destaque,  mesmo, merece a cidade de Milagres, um paradouro no meio do caminho.  Cenário perfeito dos filmes de Glauber Rocha, para as histórias do cangaço, a  cidade parece um presépio de Antonio Conselheiro, de Padre Cícero, com toda a  sua mística, circundada por morros antropomórficos, wagneriano, zoomórficos, de  beleza crua e impressionante, dantesca!  
                       
                      Nossas cidades se imitam, parecem umas às outras. Antes pela concentração de  seus edifícios principais em torno de uma praça; agora pelas projeções multifamiliares  nos arredores dos centros urbanos, competindo em altura; pela modernidade dos  hotéis, pelos supermercados e nos grandes centros urbanos, pelos shopping-certers.  
   
  Feira de Santana não escapa à regra, mas ainda guarda muito de sua  feição velha, com avenidas largas e edificações baixas, com um gentio  fervilhando as ruas, camelôs e lojas árabes vendendo roupas e eletrodomésticos.  Não é bonita nem feia.  Conserva muito de  suas melhores construções mais antigas e as novas não são tão altas, não  desequilibram o seu perfil tradicional. 
                  A região é verde, úbere, com um gado gordo e terra preta. Em nada se assemelha  ao sertão! A autopista que liga a Salvador mostra as marcas da prosperidade,  com indústrias e bairros operários, casebres pobres e as habitações sub-humanas  dos municípios do entorno, contrastando com os grandes e soberbos edifícios dos  bairros elegantes da capital baiana.  
                
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